VALE-TRANSPORTE EM DINHEIRO - POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO
- Lucio Mesquita
- 12 de fev. de 2021
- 9 min de leitura
O presente artigo visa esclarecer algumas dúvidas sobre o pagamento do vale-transporte em dinheiro e estabelecer alguns cuidados para dar maior segurança no seu pagamento.
A Lei n. 7.418/85 determina que o empregador deve antecipar ao empregado o vale-transporte, para utilização em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, cabendo ao empregado participar com o valor de até 6% de seu salário básico. O empregador deve exigir do empregado declaração a respeito da necessidade do benefício, devendo especificar quais meios de transporte utilizados, inclusive com a designação das linhas, a quantidade diária e seu valor.
O benefício somente deve ser usado para deslocamento entre o trabalho e a residência através de meio público de transporte, não cabendo aos empregados que se deslocam utilizando qualquer meio de transporte particular, como carro, bicicleta ou carona. Caso o empregado não precise do benefício para a utilização do transporte público, deve informar o empregador e devolver as quantias indevidamente recebidas, sob pena de incidir em ato de improbidade, conforme artigo 482, letra “a” da CLT.
É cristalino que o vale-transporte concedido in natura, ou seja, através dos vales em papel ou cartão magnético não integram o salário, estando retirada sua natureza salarial no artigo 6º do Decreto n. 95.247/87 e artigo 2º da Lei n. 7.418/85. O inciso III, do art. 458 da CLT também prevê que não são consideradas salário as utilidades fornecidas pelo empregador consistentes no transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público.
Sobre a concessão do vale-transporte em dinheiro, o Decreto n. 95.247/87 estabelece em seu artigo 5º que:
Art. 5° É vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. No caso de falta ou insuficiência de estoque de Vale-Transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado, por conta própria, a despesa para seu deslocamento.
Visando permitir a concessão do vale-transporte em dinheiro, a Medida Provisória n. 280 de 15 de fevereiro de 2006, tentou acrescentar um parágrafo terceiro ao artigo 1º da Lei n. 7.418/85. Entretanto, o dispositivo foi revogado pela Lei n. 11.214 de 3 de julho de 2006, retirando a permissão expressa para a concessão do vale-transporte em dinheiro.
Permaneceu, portanto, a discussão a respeito da possibilidade de substituição do vale-transporte pelo seu pagamento em dinheiro.
A previsão constante do artigo 5o do Decreto 95.247/87, era entendida como impedimento em se reconhecer a natureza indenizatória do vale-transporte fornecido ao empregado em dinheiro.
Diane da controvérsia a respeito da natureza salarial ou não do vale-transporte pago em dinheiro, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário n. 478.410, julgado em 10 de março de 2010 decidiu que o simples pagamento em dinheiro é insuficiente para justificar que a verba seja considerada como salarial. Transcrevemos:
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA. VALE TRANSPORTE. MOEDA. CURSO LEGAL E CURSO FORÇADO. CARÁTER NÃO SALARIAL DO BENEFÍCIO. ARTIGO 150, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONSTITUIÇÃO COMO TOTALIDADE NORMATIVA.
1. Pago o benefício de que se cuida neste recurso extraordinário em vale-transporte ou em moeda, isso não afeta o caráter não salarial do benefício.
2. A admitirmos não possa esse benefício ser pago em dinheiro sem que seu caráter seja afetado, estaríamos a relativizar o curso legal da moeda nacional.
3. A funcionalidade do conceito de moeda revela-se em sua utilização no plano das relações jurídicas. O instrumento monetário válido é padrão de valor, enquanto instrumento de pagamento sendo dotado de poder liberatório: sua entrega ao credor libera o devedor. Poder liberatório é qualidade, da moeda enquanto instrumento de pagamento, que se manifesta exclusivamente no plano jurídico: somente ela permite essa liberação indiscriminada, a todo sujeito de direito, no que tange a débitos de caráter patrimonial.
4. A aptidão da moeda para o cumprimento dessas funções decorre da circunstância de ser ela tocada pelos atributos do curso legal e do curso forçado.
5. A exclusividade de circulação da moeda está relacionada ao curso legal, que respeita ao instrumento monetário enquanto em circulação; não decorre do curso forçado, dado que este atinge o instrumento monetário enquanto valor e a sua instituição [do curso forçado] importa apenas em que não possa ser exigida do poder emissor sua conversão em outro valor.
6. A cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago, em dinheiro, a título de vales-transporte, pelo recorrente aos seus empregados afronta a Constituição, sim, em sua totalidade normativa”.
Na mesma linha, a Justiça do Trabalho, através do Tribunal Superior do Trabalho, já reconheceu, de forma reiterada que o simples pagamento do vale-transporte em dinheiro não desnatura sua natureza indenizatória, conforme precedentes que seguem:
"(...). 3. VALE-TRANSPORTE. PAGAMENTO EM PECÚNIA. NATUREZA INDENIZATÓRIA . Nos termos do art. 2º da Lei nº 7.418/85, o vale-transporte -não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos- (alínea -a-), assim como -não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço- (alínea -b-). O pagamento do benefício em pecúnia não tem o condão de modificar a natureza verba, de modo a permitir a sua integração na remuneração do trabalhador. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (...)" (RR-1552-46.2010.5.15.0021, Data de Julgamento: 07/05/2014, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 9/5/2014).
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. VALE-TRANSPORTE PAGO EM PECÚNIA. NATUREZA INDENIZATÓRIA . Tanto o art. 2.º, alíneas -a- e -b-, da Lei n.º 7.418/85 quanto o art. 28, § 9.º, -f-, da Lei n.º 8.212/91 estabelecem a natureza indenizatória dos valores pagos a título de vale-transporte. Assim, o pagamento da parcela em dinheiro não possui a faculdade de mudar seu caráter indenizatório, porquanto não revela, por si só, alteração de sua finalidade. (...)" (RR-238-06.2012.5.03.0029, Data de Julgamento: 14/05/2014, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/5/2014).
" I - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - VALE TRANSPORTE - NATUREZA JURÍDICA . Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o vale-transporte fornecido ao empregado, ainda que pago em dinheiro , possui natureza indenizatória. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido" (ARR-1101-94.2012.5.09.0028, Data de Julgamento: 07/05/2014, Relator Desembargador Convocado: João Pedro Silvestrin, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 9/5/2014).
" CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. VALE-TRANSPORTE. PAGO EM DINHEIRO NO CURSO DA RELAÇÃO TRABALHISTA. NATUREZA INDENIZATÓRIA . O Regional, ao entender que o vale-transporte (na hipótese pago em dinheiro pelo empregador) possui natureza indenizatória, julgou em conformidade com o disposto no art. 28, inciso I e § 9.º, alínea -f-, da Lei n.º 8.212/91, que prevê que o vale-transporte não integra o salário de contribuição. O fato de a verba ter sido paga em dinheiro no curso do contrato de trabalho não altera a sua natureza para salarial, porquanto o mencionado dispositivo de lei não impõe expressamente nenhuma condição excludente da imputação da natureza jurídica indenizatória do benefício. Agravo de instrumento desprovido." (AIRR-146400-61.2009.5.02.0462, Relator: Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2.ª Turma, DEJT 31/5/2013.)
" AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - VALE-TRANSPORTE PAGO EM PECÚNIA - NATUREZA INDENIZATÓRIA . A decisão recorrida encontra-se em consonância com a jurisprudência sedimentada deste Tribunal Superior, no sentido de que a parcela paga a título de vale-transporte tem natureza indenizatória e mesmo que o vale-transporte seja pago em pecúnia, permanece o caráter indenizatório, pois a finalidade deste não muda: ressarcir gastos do trabalhador com o deslocamento de casa para o trabalho e vice-versa. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido" (AIRR-4400-68.2007.5.02.0022, Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7.ª Turma, DEJT 26/4/2013)
RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. MULTA ADMINISTRATIVA. VALE-TRANSPORTE. PAGAMENTO EM PECÚNIA. A Corte Regional decretou a nulidade do auto de infração por não constatar ilegalidade na substituição do vale-transporte em pecúnia ocorrida em benefício dos próprios empregados, em decorrência da precariedade do serviço público de transporte daquela localidade. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a violação de decreto não dá ensejo ao conhecimento da revista, nos moldes contidos no artigo 896, e alíneas, da CLT. Por outro vértice, não há como constatar a violação direta aos artigos 1º, caput , 4º, 5º da Lei nº 7.418/85, porquanto não vedam a conversão do benefício em pecúnia. Recurso de revista de que não se conhece. RR - 2120-09.2012.5.11.0052
Diante do decidido pelo Supremo Tribunal Federal e da pacificação jurisprudencial, o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da União Federal também editou a Súmula 89 com o seguinte teor: “A contribuição social previdenciária não incide sobre valores pagos a título de vale-transporte, mesmo que em dinheiro.”
Transcrevemos também as seguintes decisões do CARF:
EMENTA CARF: 14041.001381/2007-57, Data da Sessão 05/11/2020 Ementa(s) ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS Período de apuração: 01/01/2003 a 31/12/2006 NFLD DEBCAD nº 37.027.440-7, de 07/12/2007 VALE TRANSPORTE. PAGAMENTO EM PECÚNIA. CARÁTER NÃO SALARIAL. STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 478.410/SP. NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO - SÚMULA CARF 89 O vale-transporte pago em pecúnia, mediante crédito na conta corrente dos segurados, não afeta a natureza jurídica de ser não salarial, segundo entendimento proferido pelo STF e recepcionado pelo CARF através de súmula. SÚMULA CARF 89 - A contribuição social previdenciária não incide sobre valores pagos a título de vale-transporte, mesmo que em dinheiro.
EMENTA CARF: 15758.000343/2010-79 Data da Sessão 25/08/2011 Ementa(s) (...)PREVIDENCIÁRIO CUSTEIO VALE TRANSPORTE PAGAMENTO EM PECÚNIA POSICIONAMENTO PLENÁRIO DO STF PARCELA NÃO INTEGRANTE. No RE 478.410/SP, Relator Min. Eros Grau, com o Acórdão publicado em 14.05.2010, em decisão do PLENÁRIO DO STF, decidiu-se que a cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago, em dinheiro, a título de vales-transporte, pelo recorrente aos seus empregados afronta a Constituição, sim, em sua totalidade normativa. Desta forma, como esta decisão plenária do STF no RE 478.410/SP se amolda ao disposto no art. 62, parágrafo único, inciso I, do Anexo II do Regimento Interno do CARF, tem-se então que as parcelas pagas em pecúnia aos segurados a título de vale-transporte não têm natureza salarial.
Assim, apesar da legislação infraconstitucional ainda enfatizar a obrigatoriedade do fornecimento do vale-transporte na forma de benefício em tíquetes, ou em cartões, aos poucos a jurisprudência passou a reconhecer o reconhecimento da validade do vale-transporte em dinheiro, A Advocacia-Geral da União inclusive aprovou a sua Súmula 60, uniformizando seu entendimento de que não convém promover execução fiscal em torno do vale-transporte pago em dinheiro:
SÚMULA No 60, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2011 - O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 4º, inc. XII, e tendo em vista o disposto nos arts. 28, inc. II, e 43, caput, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, no art. 38, § 1°, inc. II, da Medida Provisória n° 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, no art. 17-A, inciso II, da Lei n° 9.650, de 27 de maio de 1998, e nos arts. 2º e 3º, do Decreto n° 2.346, de 10 de outubro de 1997, bem como o contido no Ato Regimental/AGU nº 1, de 02 de julho de 2008, resolve: "Não há incidência de contribuição previdenciária sobre o vale-transporte pago em pecúnia, considerando o caráter indenizatório da verba". Legislação Pertinente: CF, artigos 5º, II, 7º, IV, XXVI, 150, I, 195, I, "a", 201, § 11; Lei nº 7.418/85, artigo 2º; Lei nº 8.212/91, artigo 28, I e 9º, "f"; Decreto nº 95.247/87, artigos 5º e 6º; Decreto nº 3.048/99, artigo 214, § 10. Precedentes: Tribunal Superior do Trabalho - 1ª Turma: TST-AIRR-234140-44.2004.5.01.0241, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, j. 26.05.10; 2ª Turma : TST-RR-95840-79.2007.5.03.0035, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, j. 23.03.11; 3ª Turma: TST-AIRR-76040-07.2006.5.15.0087, Rel. Min. Alberto Luiz Bersciani de Fontan Pereira, j. 15.04.09; 4ª Turma: TST-RR-89300-12.2006.5.15.0004, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, j. 22.04.09; 5ª Turma - 35340-21.2008.5.03.0097, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, j. 24.11.10; 6ª Turma: TST-RR-16100-63.2006.5.15.0006, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, j. 23.03.11; 7ª Turma: TST-RR-131200-26.2004.5.15.0042, Rel. Min. Pedro Paulo Manus, j. 02.03.11; 8ª Turma : TST-RR-4300-57.2008.5.04.0561, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, j. 30.03.11; e SESBDI-1: TST-E-RR-1302/2003-383-02-00.7, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, j. 17.12.07. Superior Tribunal de Justiça - 2ª Turma: REsp 1180562/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, julgado em 17/08/2010, DJe 26/08/2010); 1ª Seção: EREsp 816.829/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, julgado em 14/03/2011, DJe 25/03/2011. Supremo Tribunal Federal - Plenário: RE 478410/SP, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 14.05.10. LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS
Para maior segurança jurídica, caso possível, é recomendável a previsão em convenção coletiva ou acordo coletivo com o sindicato de classe do fornecimento do vale-transporte em pecúnia, diante do reconhecimento da força legal das negociações coletivas (CLT art. 611, Constituição Federal, art. 7, XXVI).
Portanto, diante do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, da Jurisprudência pacífica do TST, Súmula 89 do CARF e Súmula 60 da AGU, o empregador tem segurança quanto ao pagamento do vale-transporte em dinheiro. Entretanto, cabe ao empregador sempre comprovar que o vale-transporte em dinheiro corresponde às reais necessidades do empregado, não se tratando de simples meio para pagamento de salário de forma simulada, visando evitar o recolhimento de encargos previdenciários. Assim, recomendamos que seja devidamente preenchido o questionário já habitualmente utilizado referente ao trajeto, valor e quantidade de despesa realizada com o transporte público, inclusive descontando-se do empregado o valor correspondente a 6% de sua remuneração, conforme art. 9, I, do Decreto 95.427 (salvo previsão contrária em norma coletiva).
Lucio Mesquita - OAB/SP 138.294