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Certidão de Antecedentes e o entendimento do TST

  • Foto do escritor: Lucio Mesquita
    Lucio Mesquita
  • há 14 minutos
  • 8 min de leitura

A controvérsia sobre a solicitação de antecedentes criminais em processos seletivos levou o TST a uniformizar seu entendimento, em Incidente de Recursos Repetitivos, reconhecendo a necessidade de ponderar o legítimo interesse do empregador em proteger seu patrimônio e ambiente de trabalho com os direitos à intimidade, privacidade e não-discriminação do candidato. Dessa análise aprofundada, foram firmadas três orientações jurídicas essenciais, que passo a detalhar:


1. Exigência Ilegítima e Caracterização de Dano Moral


A primeira tese é categórica ao afirmar que a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é considerada ilegítima e caracteriza lesão moral quando:

●        Traduzir tratamento discriminatório.

●        Não se justificar em razão de previsão em lei.

●        Não se justificar em razão da natureza do ofício.

●        Não se justificar em razão do grau especial de fidúcia exigido.

Conforme expresso na Ementa  do Acórdão citado:

"1 . Não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido."

Isso significa que a regra geral é a proibição da exigência, salvo as exceções que serão abordadas a seguir. A mera solicitação sem um motivo justo e legalmente amparado já pode configurar uma violação à dignidade do trabalhador.


2. Exigência Legítima e Justificada: Onde a Confiança é Essencial


Por outro lado, o TST reconhece a legitimidade da exigência da Certidão de Antecedentes Criminais, sem que esta configure lesão moral, quando estiver amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. O acórdão apresenta exemplos claros de funções onde essa exigência é aceitável, como:

●        Empregados domésticos: Pela proximidade e acesso ao ambiente familiar, que envolve um alto grau de confiança.

●        Cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins): Devido à vulnerabilidade das pessoas sob seus cuidados, exigindo fidúcia especial.

●        Motoristas rodoviários de carga: Pelo manuseio de bens de alto valor e os riscos inerentes à atividade de transporte.

●        Empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes: Em virtude do risco de acidentes e a necessidade de segurança no ambiente de trabalho.

●        Bancários e afins: Pelo acesso a informações financeiras sigilosas e valores, demandando um elevado grau de confiança.

●        Trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas: Pela periculosidade da atividade e o rigoroso controle necessário.

●        Trabalhadores que atuam com informações sigilosas: Dada a natureza confidencial dos dados acessados, que exige absoluta confiabilidade.

●         

Como se lê na Ementa do  Acórdão:

"2 . A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas."

 

É crucial ressaltar que este rol é exemplificativo, e não taxativo. Isso significa que outras funções podem justificar a medida, desde que o empregador demonstre de forma clara e objetiva o "grau especial de fidúcia" ou a relevância da "natureza do ofício" para a segurança e integridade da empresa, de seus clientes e de terceiros.


3. Dano Moral in re ipsa: A Presunção da Lesão


A tese mais impactante para o empregador é a que estabelece que, quando ausente alguma das justificativas mencionadas acima, a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido.

Conforme a Ementa em comento:

"3 . A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra , caracteriza dano moral in re ipsa , passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido."

O conceito de dano moral in re ipsa é fundamental aqui: o dano é presumido pela própria violação do direito, não sendo necessário que o candidato comprove o sofrimento ou o prejuízo concreto. A mera exigência indevida já configura a lesão à dignidade e à privacidade do indivíduo. Essa presunção se justifica pela dificuldade que o candidato teria de provar o nexo causal entre a exigência abusiva e a não contratação, além de conferir um efeito pedagógico à decisão.

Como bem destacado na decisão proferida: 

 

"Tal assertiva, em primeiro lugar , parte da premissa de que o prejuízo é presumido em virtude da imposição, ao candidato a emprego, de produção de prova de honestidade desnecessária ou desarrazoada em relação à vaga de emprego almejada .

Em segundo lugar, o entendimento prevalecente tomou em conta, de um lado , a dificuldade de o candidato recusado ao posto de trabalho provar o nexo causal entre a exigência abusiva e indiscriminada e a não contratação; e, de outro lado , o efeito pedagógico e prospectivo da presente decisão em relação à fase pós-contratual. Entendeu-se que o candidato, muito embora admitido no emprego, igualmente foi atingido em sua intimidade, na sua honra, em face da exigência desnecessária da Certidão de Antecedentes Criminais."


Fundamentação Legal e Princípios Constitucionais: Os Pilares da Decisão


A interpretação do TST está solidamente ancorada em diversos diplomas legais e princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico. A Lei nº 9.029/95, em seu artigo 1º, é um dos pilares, ao vedar expressamente qualquer prática discriminatória e limitativa para acesso ou manutenção do emprego. Além disso, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, proíbe a discriminação no acesso às oportunidades de trabalho.

Como se observa no Acórdão proferido:

"Omissa a lei especificamente a respeito da caracterização de lesão moral pela exigência de certidão de antecedentes criminais, entendo que se impõe o exame da matéria essencialmente à luz da Lei nº 9 . 029/95 e da Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho ."

A Constituição Federal de 1988 também é um pilar central dessa discussão, com destaque para:

●        Art. 1º, incisos III e IV: Que elevam a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos da República.

●        Art. 3º, incisos I, III e IV: Que estabelecem a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e marginalização, e a promoção do bem de todos sem preconceitos como objetivos fundamentais.

●        Art. 5º, inciso X: Que assegura a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, com direito à indenização por sua violação.

●        Art. 5º, inciso LVII: Que consagra o princípio da presunção de inocência, ou seja, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

●        Art. 5º, inciso XLVII, ‘b’: Que proíbe a pena de caráter perpétuo, reforçando o direito à ressocialização.

●        Art. 7º, inciso XXX: Que proíbe a distinção de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

A Lei de Execução Penal (LEP), em seu artigo 202, também é invocada, pois determina que, após cumprida ou extinta a pena, as informações criminais não devem constar em folhas de antecedentes ou certidões, salvo exceções legais, visando justamente a ressocialização do apenado. Conforme consta do V. Acórdão:

Objeto e acessibilidade da certidão de antecedentes criminais – correlação com a vedação constitucional da prisão perpétua e com a presunção de inocência...

O art. 202 da Lei de Execuções Penais (LEP) estabelece: ‘Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei’."

A jurisprudência tem, ainda, abordado o direito ao esquecimento, que, conforme o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, integra a tutela da dignidade da pessoa humana, permitindo que fatos pretéritos que afetam os direitos fundamentais da personalidade sejam apagados ou bloqueados com o decurso do tempo, esclarecendo o V. Acórdão que:

"Consoante preconiza o Enunciado 531 aprovado na VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, ‘a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento’."


Valores de Indenização por Dano Moral: Uma Perspectiva Prática


Os valores arbitrados a título de indenização por dano moral em casos de exigência indevida de certidão de antecedentes criminais variam conforme as particularidades de cada caso, como a gravidade da conduta do empregador, a repercussão da discriminação e a capacidade econômica das partes. No entanto, a jurisprudência trabalhista tem fixado montantes que buscam compensar a lesão moral e deter a prática discriminatória.

Uma pesquisa recente em fontes confiáveis como o site do TST e outros portais jurídicos, como Migalhas e ConJur, revela que as indenizações podem oscilar, mas frequentemente se situam na faixa de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00. Em casos excepcionais de maior gravidade e reincidência da empresa, esses valores podem ser ainda mais elevados. Por exemplo, em julgados de diversos Tribunais Regionais do Trabalho, valores de R$ 10.000,00 a R$ 20.000,00 são comumente aplicados para casos de exigência injustificada que configure dano moral. O objetivo é duplo: reparar o dano causado ao trabalhador e, ao mesmo tempo, desestimular a conduta ilícita do empregador.


A Discricionariedade do Empregador e a Importância da Estratégia


Na qualidade de advogado consultor em Direito do Trabalho, reafirmo que o empregador detém o poder de selecionar seus colaboradores, o que inclui a busca por informações relevantes para a função. Contudo, essa discricionariedade não é ilimitada. É fundamental que as empresas atuem com cautela e responsabilidade, reservando a exigência da Certidão de Antecedentes Criminais somente para as funções que realmente exigem um grau especial de fidúcia ou que, pela sua natureza, envolvam riscos significativos à segurança de pessoas, bens ou informações confidenciais. Essa diretriz está em total consonância com o Tema 0001 do TST.

Para as demais funções, onde não há previsão legal ou justificativa razoável baseada na natureza do ofício ou fidúcia especial, a exigência da Certidão de Antecedentes Criminais configura uma prática discriminatória e gera o dever de indenizar por dano moral.

É, portanto, altamente recomendável que os empregadores revisem seus processos seletivos e políticas de contratação, adequando-as às diretrizes do TST. Priorizar métodos de seleção que avaliem as habilidades técnicas, comportamentais e a idoneidade do candidato para a função específica, sem invadir sua esfera privada de forma injustificada, é o caminho para garantir a conformidade legal, evitar litígios trabalhistas e, acima de tudo, promover um ambiente de trabalho justo e respeitoso.

A correta aplicação deste entendimento legal não apenas protege a empresa de condenações e custos desnecessários, mas também reforça seu compromisso com os princípios da dignidade da pessoa humana e da função social do trabalho, contribuindo para a ressocialização de indivíduos e para um mercado de trabalho mais inclusivo e equitativo.

Para um planejamento estratégico e assessoria completa sobre este e outros temas do Direito do Trabalho, nossa equipe está à disposição para auxiliar sua empresa a navegar com segurança pelas nuances da legislação trabalhista.


Lucio Mesquita - Advogado

Referências:

●        Tema Repetitivo nº 0001 do TST - "DANO MORAL – EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. CANDIDATO A EMPREGO"

●        Lei nº 9.029/95

●        Convenção nº 111 da OIT

●        Constituição Federal de 1988 (Art. 1º, Art. 3º, Art. 5º, Art. 7º)

●        Lei de Execução Penal (LEP) - Lei nº 7.210/84 (Art. 202)

●        Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil

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